Na terça´feira passada, no lindo recital dado pelas maravilhosas Vivtoria Mullova e Katia Labeque, no finalzinho, naquela parte que os mais metidos chamam de encore , elas tocaram a bela valsa do Pixinguinha , Rosa, Que era uma homenagem ao Brasil, é claro. Mas estariam elas sabendo que o maior cantor popular brasileiro, Orlando Silva , completaria cem anos nesta semana ?
Bem, sempre haverá aquela dúvida, Abbey Road ou Sgt Pepper, Exile ou Sticky Fingers, seleção de 58 ou de 70. Mas mais que Chico Alves, eu sou Orlando, por dois motivos. O primeiro, pela influência que ele exerceu em João Gilberto e Roberto Carlos . E depois por motivos familiares.
Como assim ? Pois em 1939 ou 1940 , o cantor das multidões como Orlando era conhecido , visitou a cidade de Rio Grande e ele estava no auge da sua carreira. E uma prima da minha mãe, a Vilna, era adolescente e louca pelo cantor. Pois por um capricho do destino, no dia que ele iria se apresentar ( minha avó nunca me contou aonde ) , a fã ficou doente, de cama. No dia seguinte, porém, antes de partir, o bom moço foi visitá-la na sua casa. E aí tudo deu para trás. Vilna se decepcionou quando viu o seu príncipe ao vivo. Baixinho, feio, magrinho e porque não se lembrar que a família tinha lá seus preconceitos ; enfim, ela se curou da doença e da mania de Orlando.
Que ele nunca foi o mesmo por conta de morfina , bebida , más mulheres e outros tempos isso é fato. O que sempre me causou surpresa foi o fato da minha avó garantir que a sua sobrinha Vilna era romântica apreciadora de poesia e música. Pois quando eu a conheci, era uma velha rabugenta que vivia chamando todos de corno ou viado , fumando cigarros continental e dando berros para que o seu marido, surdo, a escutasse. Mesmo mãe da minha prima Mara, uma beleza de morena que parecia a Giovana Antonelli nos meus sonhos adolescentes , Vilna não combinava com a imagem de uma mocinha que faria Orlando Silva visitar .
Hoje, sem Orlando e Vilna, com grandes desconfianças que Mara deva estar tão decadente quanto eu, só me resta lembrar que Rosa , a canção, nunca mais foi cantada por Orlando após a morte da sua mãe, Dona Balbina . Afinal, justificou o grande cantor, era a canção preferida dela. Pois eu tenho outra música número um. Justamente ,a número um . Mas aí vamos pensar na Brahma e eu agora só bebo Original.
https://www.youtube.com/watch?v=28rXjvRsxZU
ricardianas
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
Cutty Sark de Hart Crane
Por algum tempo gostava muito do whisky Cutty Sark. Mas hoje descobri um cutty sark melhor.É um belíssimo poema do Hart Crane. Aí vai.
BY HART CRANE
from The Bridge: Cutty Sark
I met a man in South Street, tall—
a nervous shark tooth swung on his chain.
His eyes pressed through green glass
—green glasses, or bar lights made them
so—
shine—
GREEN—
eyes—
stepped out—forgot to look at you
or left you several blocks away—
in the nickel-in-the-slot piano jogged
“Stamboul Nights”—weaving somebody’s nickel—sang—
O Stamboul Rose—dreams weave the rose!
Murmurs of Leviathan he spoke,
and rum was Plato in our heads . . .
“It’s S.S. Ala—Antwerp—now remember kid
to put me out at three she sails on time.
I’m not much good at time any more keep
weakeyed watches sometimes snooze—” his bony hands
got to beating time . . . “A whaler once—
I ought to keep time and get over it—I’m a
Democrat—I know what time it is—No
I don’t want to know what time it is—that
damned white Arctic killed my time . . . ”
O Stamboul Rose—drums weave—
“I ran a donkey engine down there on the Canal
in Panama—got tired of that—
then Yucatan selling kitchenware—beads—
have you seen Popocatepetl—birdless mouth
with ashes sifting down—?
and then the coast again . . . ”
Rose of Stamboul O coral Queen—
teased remnants of the skeletons of cities—
and galleries, galleries of watergutted lava
snarling stone—green—drums—drown—
Sing!
“—that spiracle!” he shot a finger out the door . . .
"O life’s a geyser—beautiful—my lungs—
No—I can’t live on land—!"
I saw the frontiers gleaming of his mind;
or are there frontiers—running sands sometimes
running sands—somewhere—sands running . . .
Or they may start some white machine that sings.
Then you may laugh and dance the axletree—
steel—silver—kick the traces—and know—
ATLANTIS ROSE drums wreathe the rose,
the star floats burning in a gulf of tears
and sleep another thousand—
interminably
long since somebody’s nickel—stopped—
playing—
A wind worried those wicker-neat lapels, the
swinging summer entrances to cooler hells . . .
Outside a wharf truck nearly ran him down
—he lunged up Bowery way while the dawn
was putting the Statue of Liberty out—that
torch of hers you know—
I started walking home across the Bridge . . .
. . . . .
Blithe Yankee vanities, turreted sprites, winged
British repartees, skil-
ful savage sea-girls
that bloomed in the spring—Heave, weave
those bright designs the trade winds drive . . .
Sweet opium and tea, Yo-ho!
Pennies for porpoises that bank the keel!
Fins whip the breeze around Japan!
Bright skysails ticketing the Line, wink round the Horn
to Frisco, Melbourne . . .
Pennants, parabolas—
clipper dreams indelible and ranging,
baronial white on lucky blue!
Perennial-Cutty-trophied-Sark!
Thermopylae, Black Prince, Flying Cloud through Sunda
—scarfed of foam, their bellies veered green esplanades,
locked in wind-humors, ran their eastings down;
at Java Head freshened the nip
(sweet opium and tea!)
and turned and left us on the lee . . .
Buntlines tusseling (91 days, 20 hours and anchored!)
Rainbow, Leander
(last trip a tragedy)—where can you be
Nimbus? and you rivals two—
a long tack keeping—
Taeping?
Ariel?
É um longo poema , difícil, bem sei, mas vejam algumas coisas :a obsessão pelo verde, a canção sobre Istambul ( penso não sei porque em Kavafis) , Leviatã , a baleia, murmurando, o rum filosofando e lembrando a Atlântida de Platão, a vida como erupção, a liberdade com a estátua e o fogo, todos os portos e labirintos, tão Pessoa e Borges.
Ah, sim, a garrafa do meu cutty sark era verde.
sexta-feira, 15 de maio de 2015
O rei e eu
Conheci o blues de BB King no comecinho dos anos setenta, pelos dedos mágicos de Duane Allman. O grande guitarrista tinha morrido recentemente e a Atlantic , acho eu ( não estou com os meus vinis aqui ) lançou um disco duplo , uma antologia. Fiquei encantado com as letras de King. Uma música falava de um anjo de mulher que aceitava tudo, outra era o seu oposto, tudo estava ruim. Bem, assim são os blues , hoje sei.
Mas eu queria ouvir a guitarra do Rei , sem passar por intermediários. E nunca achava discos dele. Consegui uma faixa no disco de festival, o Mar y Sol, onde ele tocava e cantava Why I sing the blues.Com metais, com sua voz e com seus solos. Era algo arrebatador .Até que encontrei , numa ridícula lojinha na Gabus Mendes com Basílio da Gama, perto da Praça da República , um álbum para chamar de dele. Capa vermelha, anunciava a Incredible soul of BB King . O vendedor era um afrobrasileiro como se diz agora, chamado Cláudio, mas apelidado de Italiano. Íamos meu amigo Henri e eu sempre comprar discos lá. Ele dava descontos tão absurdos que às vezes achava que era algo totalmente ilícito, mas enfim, eram assim aqueles dias.
O disco, uma prensagem tosca da gravadora Imagem era muito ruim. Não só a qualidade técnica. O disco fazia da voz do BB King um crooner e seus solos eram pingados, como se ele quisesse imitar o Keith Richards. Mas enfim, escutei-o muitas vezes e não me lembro de ter outro disco dele. Ah, claro, dele com o Clapton, mas aí era mais do Eric.
Vi um show dele no Palace, fui com tanta gente que nem me lembro quem me acompanhava. Só sei que até minha mãe foi ! Aí pude entender o porquê dele ser Rei. Ele solava igualzinho em todas as faixas, mas diferente. Imitava as paqueras e o paquerador, deixava os metais entrarem com força e ele os incentivava , e que guitarra linda era a Lucille. Naquele show ele tocou canções de um filme com a Michelle Pfeiffer que havia se encontrado com um insone. E eu, que sempre fui insone, fiquei rolando na cama imaginando a loira e o blues.
Ele andou vindo para novos shows , no Bourbon ou sei lá onde, com preços absurdos. Perdi o tesão, o blues tem esses defeitos. Aos oitenta e nove anos ele foi embora. Mas calma, foi tirar um som com o Duane Allman e me mandou um recado : o menino que comprava discos com seu amigo Henri, outro morador do céu, não precisa chorar. Afinal, foi para nos deixar felizes que ele cantou o melhor blues do mundo.
Mas eu queria ouvir a guitarra do Rei , sem passar por intermediários. E nunca achava discos dele. Consegui uma faixa no disco de festival, o Mar y Sol, onde ele tocava e cantava Why I sing the blues.Com metais, com sua voz e com seus solos. Era algo arrebatador .Até que encontrei , numa ridícula lojinha na Gabus Mendes com Basílio da Gama, perto da Praça da República , um álbum para chamar de dele. Capa vermelha, anunciava a Incredible soul of BB King . O vendedor era um afrobrasileiro como se diz agora, chamado Cláudio, mas apelidado de Italiano. Íamos meu amigo Henri e eu sempre comprar discos lá. Ele dava descontos tão absurdos que às vezes achava que era algo totalmente ilícito, mas enfim, eram assim aqueles dias.
O disco, uma prensagem tosca da gravadora Imagem era muito ruim. Não só a qualidade técnica. O disco fazia da voz do BB King um crooner e seus solos eram pingados, como se ele quisesse imitar o Keith Richards. Mas enfim, escutei-o muitas vezes e não me lembro de ter outro disco dele. Ah, claro, dele com o Clapton, mas aí era mais do Eric.
Vi um show dele no Palace, fui com tanta gente que nem me lembro quem me acompanhava. Só sei que até minha mãe foi ! Aí pude entender o porquê dele ser Rei. Ele solava igualzinho em todas as faixas, mas diferente. Imitava as paqueras e o paquerador, deixava os metais entrarem com força e ele os incentivava , e que guitarra linda era a Lucille. Naquele show ele tocou canções de um filme com a Michelle Pfeiffer que havia se encontrado com um insone. E eu, que sempre fui insone, fiquei rolando na cama imaginando a loira e o blues.
Ele andou vindo para novos shows , no Bourbon ou sei lá onde, com preços absurdos. Perdi o tesão, o blues tem esses defeitos. Aos oitenta e nove anos ele foi embora. Mas calma, foi tirar um som com o Duane Allman e me mandou um recado : o menino que comprava discos com seu amigo Henri, outro morador do céu, não precisa chorar. Afinal, foi para nos deixar felizes que ele cantou o melhor blues do mundo.
domingo, 26 de abril de 2015
O Nepal e eu
De repente, por conta do terremoto, vem o Nepal na minha mente. Eu poderia pensar na minha prima Flávia, a única pessoa que conheço que já esteve lá, ou numa música meio tosca do Som Imaginário que dizia que no Nepal tudo era muito barato. Mas não. Lá vou eu em recordações antigas, no meu tempo de morador da Barra Funda.
Eu tinha um vizinho, da minha idade, que gostava muito de estórias de lugares distantes. Nepal, Tibete, Butão e adjacências. Éramos crianças de uma época que até televisão era algo raro. Pois bem. Ele me trouxe uma revista que trazia uma reportagem sobre a coroação de um rei nepalino. Era algo de muita suntuosidade. Ouros, diamantes, elefantes , veludos. Mas a revista contou que as ruas , para que o rei não visse qualquer sinal de pobreza ou desarmonia, foram desinfetadas , os mendigos expulsos e os cães , coitados, devidamente envenenados.
Danem-se os mendigos, disse meu amigo. Mas matar cães , isso é demais. E , imediatamente, arrancou uma folha do caderno e escreveu uma carta enfática para o rei. Ele, dizendo-se súdito, mostrou a sua contrariedade , mas , no final, admitia-se ainda súdito.
Fomos até o correio, uma agência que ficava dentro de um supermercado. No envelope, o destinatário era o próprio rei, o endereço era o palácio , a cidade , Katmandu . E o remetente era o meu amigo da Barra Funda. E eu, com a ingenuidade dos oito, nove anos de idade, perguntei-lhe como seria possível alguém no Nepal ( e eu nem sabia onde era isso ) entender a nossa língua. Meu amigo riu e disse que o rei contava com tradutores de todas as línguas.
Bem, na hora de selar o envelope foi uma luta. O atendente olhou uma tabela e colocou o preço comparável a uma carta até o Japão, o que era bem caro. Mas meu amigo pagou com uma certa satisfação. A causa era justa .
Claro, nunca houve resposta. Soube que esse rei foi morto anos depois por um ataque de loucura do irmão. E agora, vem essa ira vulcânica. Pensando bem, saber de terremotos distantes é algo que cada vez mais somos cientes , por conta dos meios de comunicação e da internet. E sempre temos uma certa inquietude, um sentimento de dor, mas passageiro, infelizmente. Mário Quintana, num poema , disse que por mais que haja terremotos na China, nossos calos doem mais.
É verdade. Se não fosse a minha saudade aos meus tempos de Barra Funda, os escombros do Nepal
já teriam sido substituídos.por escândalos e resultados de campeonatos. Mas acho que , já que a carta do meu amigo não voltou, ela deve estar ainda numa secretaria , esperando um tradutor. Ou num prédio destruído . Ou , o que seria ainda pior, no esquecimento do meu amigo , tão indignado à época.
Eu tinha um vizinho, da minha idade, que gostava muito de estórias de lugares distantes. Nepal, Tibete, Butão e adjacências. Éramos crianças de uma época que até televisão era algo raro. Pois bem. Ele me trouxe uma revista que trazia uma reportagem sobre a coroação de um rei nepalino. Era algo de muita suntuosidade. Ouros, diamantes, elefantes , veludos. Mas a revista contou que as ruas , para que o rei não visse qualquer sinal de pobreza ou desarmonia, foram desinfetadas , os mendigos expulsos e os cães , coitados, devidamente envenenados.
Danem-se os mendigos, disse meu amigo. Mas matar cães , isso é demais. E , imediatamente, arrancou uma folha do caderno e escreveu uma carta enfática para o rei. Ele, dizendo-se súdito, mostrou a sua contrariedade , mas , no final, admitia-se ainda súdito.
Fomos até o correio, uma agência que ficava dentro de um supermercado. No envelope, o destinatário era o próprio rei, o endereço era o palácio , a cidade , Katmandu . E o remetente era o meu amigo da Barra Funda. E eu, com a ingenuidade dos oito, nove anos de idade, perguntei-lhe como seria possível alguém no Nepal ( e eu nem sabia onde era isso ) entender a nossa língua. Meu amigo riu e disse que o rei contava com tradutores de todas as línguas.
Bem, na hora de selar o envelope foi uma luta. O atendente olhou uma tabela e colocou o preço comparável a uma carta até o Japão, o que era bem caro. Mas meu amigo pagou com uma certa satisfação. A causa era justa .
Claro, nunca houve resposta. Soube que esse rei foi morto anos depois por um ataque de loucura do irmão. E agora, vem essa ira vulcânica. Pensando bem, saber de terremotos distantes é algo que cada vez mais somos cientes , por conta dos meios de comunicação e da internet. E sempre temos uma certa inquietude, um sentimento de dor, mas passageiro, infelizmente. Mário Quintana, num poema , disse que por mais que haja terremotos na China, nossos calos doem mais.
É verdade. Se não fosse a minha saudade aos meus tempos de Barra Funda, os escombros do Nepal
já teriam sido substituídos.por escândalos e resultados de campeonatos. Mas acho que , já que a carta do meu amigo não voltou, ela deve estar ainda numa secretaria , esperando um tradutor. Ou num prédio destruído . Ou , o que seria ainda pior, no esquecimento do meu amigo , tão indignado à época.
sábado, 25 de outubro de 2014
Só passa quem souber
Férias merecidas. E lá vou eu animado, rever Portugal. Mas desta vez, uma novidade boa : iria para Coimbra , cidade que não conhecia e assim poderia rever uma amiga minha de infância, a Teresa, que mora por lá . Quando ela soube, ficou toda animada. Passou-me logo o seu número do celular , quis saber onde ficaria , enfim, não poderia ter melhor guia . Passagens compradas, hotel reservado, tudo em cima.
Só que... Três dias antes, recebo uma mensagem dela dizendo que teria que vir ao Brasil, justamente no período, resolver problemas pessoais , coisas de família , era tudo inadiável. Bem, não é fácil desmarcar , ficamos chateados, mas Coimbra me esperaria mesmo assim. Dá sempre aquela sensação de falta , que não haverá outra vez , mas enfim, o jeito é ir. Navegar é preciso , o aeroporto me indica o avião com asas pandas.
Quando chego em Lisboa, à noite, pego um táxi, um português falante, chamado, claro , António. Fica feliz ao saber que escolhi Portugal para minhas férias , quer saber se ficarei só em Lisboa ou iria para outros lugares . Quando disse que iria também para Coimbra, ele foi direto : " mas lá é uma cidade morta ! Não há nada a se fazer por lá !" Aquilo dito tão francamente só aumentou a minha revolta com a peça que o destino tinha causado comigo e com a Teresa . " Se é para comer um cabrito, vá lá ... " Bem, era então um opção.
Passeava pelas ruas da bela Lisboa, ia para o Oceanário, escutava fados, mas não parava de pensar que Coimbra seria um dos maiores micos da minha vida. Vi num programa da RTP um velho dizendo que o melhor festival da canção portuguesa se dava em Figueira da Foz , alguns quilômetros de Coimbra, mas quando perguntei a um outro taxista sobre as atrações atuais de Figueira, o motorista foi direto : " é um balneário, mas não creio que o senhor há de gostar". Liguei então , última chance , para um amigo meu espanhol que sabe tudo de península ibérica. E ele me recomendou uma tal Cidade dos Pequeninos, um lugar com casinhas e palácios em miniatura.
Ou seja, iria para uma cidade morta, perto de um balneário nada, sem a minha amiga, para visitar um parquinho e comer cabrito. Ah, e a previsão do tempo indicava chuva.
Mas eis que chego em Coimbra e não está chovendo. E o rio, o Mondego, é lindo. E é a semana da tal Latada, uma festa estudantil. E há uma bela livraria ,a Bertrand , com moças atenciosas. E não há cabrito e sim deliciosos leitões , com espumantes geladinhos. E de cada beco da cidade histórica , saem moças lindas , felizes , sorridentes . E uma biblioteca maravilhosa, a Joanina , a me encantar. E preços em conta , ladeiras íngremes com visuais de tirar , duplamente, o fôlego . Tudo aquilo me encantava.
Até que chegou a hora de visitar a quinta onde Inês de Castro , tão linda , chorava , até morrer de amor. É agora um hotel sei lá quantas estrelas, com campo de golfe e bmws e mercedes para cima e para baixo. Quando um senhor, da recepção, perguntou-me se poderia me ser útil e disse que não , que procurava uma amiga mas ela tinha ido ao Brasil. E assim, Teresa, fiquei achando que será fácil voltar para Coimbra.
Para a ver, claro, mas porque é uma cidade onde se aprende a dizer saudade.
Só que... Três dias antes, recebo uma mensagem dela dizendo que teria que vir ao Brasil, justamente no período, resolver problemas pessoais , coisas de família , era tudo inadiável. Bem, não é fácil desmarcar , ficamos chateados, mas Coimbra me esperaria mesmo assim. Dá sempre aquela sensação de falta , que não haverá outra vez , mas enfim, o jeito é ir. Navegar é preciso , o aeroporto me indica o avião com asas pandas.
Quando chego em Lisboa, à noite, pego um táxi, um português falante, chamado, claro , António. Fica feliz ao saber que escolhi Portugal para minhas férias , quer saber se ficarei só em Lisboa ou iria para outros lugares . Quando disse que iria também para Coimbra, ele foi direto : " mas lá é uma cidade morta ! Não há nada a se fazer por lá !" Aquilo dito tão francamente só aumentou a minha revolta com a peça que o destino tinha causado comigo e com a Teresa . " Se é para comer um cabrito, vá lá ... " Bem, era então um opção.
Passeava pelas ruas da bela Lisboa, ia para o Oceanário, escutava fados, mas não parava de pensar que Coimbra seria um dos maiores micos da minha vida. Vi num programa da RTP um velho dizendo que o melhor festival da canção portuguesa se dava em Figueira da Foz , alguns quilômetros de Coimbra, mas quando perguntei a um outro taxista sobre as atrações atuais de Figueira, o motorista foi direto : " é um balneário, mas não creio que o senhor há de gostar". Liguei então , última chance , para um amigo meu espanhol que sabe tudo de península ibérica. E ele me recomendou uma tal Cidade dos Pequeninos, um lugar com casinhas e palácios em miniatura.
Ou seja, iria para uma cidade morta, perto de um balneário nada, sem a minha amiga, para visitar um parquinho e comer cabrito. Ah, e a previsão do tempo indicava chuva.
Mas eis que chego em Coimbra e não está chovendo. E o rio, o Mondego, é lindo. E é a semana da tal Latada, uma festa estudantil. E há uma bela livraria ,a Bertrand , com moças atenciosas. E não há cabrito e sim deliciosos leitões , com espumantes geladinhos. E de cada beco da cidade histórica , saem moças lindas , felizes , sorridentes . E uma biblioteca maravilhosa, a Joanina , a me encantar. E preços em conta , ladeiras íngremes com visuais de tirar , duplamente, o fôlego . Tudo aquilo me encantava.
Até que chegou a hora de visitar a quinta onde Inês de Castro , tão linda , chorava , até morrer de amor. É agora um hotel sei lá quantas estrelas, com campo de golfe e bmws e mercedes para cima e para baixo. Quando um senhor, da recepção, perguntou-me se poderia me ser útil e disse que não , que procurava uma amiga mas ela tinha ido ao Brasil. E assim, Teresa, fiquei achando que será fácil voltar para Coimbra.
Para a ver, claro, mas porque é uma cidade onde se aprende a dizer saudade.
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
O cisne do Mallarmé
- Un cygne d'autrefois se souvient que c'est lui
Magnifique mais qui sans espoir se délivre
Pour n'avoir pas chanté la région où vivre
Quand du stérile hiver a resplendi l'ennui.
Eu não tenho a menor competência para traduzir esse quarteto do soneto Le vierge, le vivace et le bel aujourd'hui do poeta Stephane Mallarmé . Mas fiquemos no sentido . Um cisne velho, ainda que belo, reconhece sua desesperança. Não partiu para terras quentes e agora sofre o árido inverno, com o seu implacável tédio.
Esse soneto , para os mais apaixonados pela obra de Proust , não é estranho. Afinal, para que Albertine não fugisse, Marcel prometeu- lhe um iate , com essa quadra pintada na proa.
Pode parecer esnobismo, mas vendo pessoas tão calorosas com essa eleição me fez lembrar o mesmo tédio que o cisne de ontem sente.
E o pior, pelo visto teremos um árido inverno pela frente, no próximo ano.
domingo, 12 de outubro de 2014
Dia das crianças
Quando eu era criança é uma frase que os adultos adoram falar, ainda mais no dia de hoje. Eles gostam de recordar um tempo dourado, com brincadeiras o tempo todo, com os pais e avós , com irmãos e primos , com peraltices e coisas engraçadas. Festas de aniversário , cachorros, sustos e parques de diversão. Então vamos lá , eu também quero brincar de quando eu era criança.
Quando eu era criança , São Paulo era uma cidade grande , claro, mas um pouco diferente. Os adultos eram sérios, não se misturavam com os pequenos, não usavam as mesmas roupas, não deixavam as crianças mandarem, era possível jogar taco ( uma espécie fuleira do baseball ) nas ruas , a escola não era tudo, a televisão só algum tempo, futebol nos campinhos e na várzea era o tempo todo, as meninas achavam os meninos chatos e vice-versa . Os vizinhos eram diferentes , suas mães faziam comidas gostosas ; o feijão era de outra cor, as esfihas e as pizzas, as lasanhas e o peixe cru, sem falar na carne de sol. Festas de aniversário tinham os mesmos doces, feitos pelas mães , avós e vizinhas , ganhava-se lenços, meias, cintos e , com alguma sorte, livros , times de botão ou bugigangas.
Se aquele tempo era melhor ? Isso eu não sei. Era um império das imaginações. Escutava-se futebol no rádio e os locutores narravam jogos incríveis, mesmo nos zero a zero. A Jovem Guarda e os Beatles pareciam ser tudo . Os anéis de camelô e as figurinhas, os ioiôs e as revistinhas eram os objetos dos sonhos. Todos mentiam e acreditavam , dormir depois depois das dez horas da noite era impossível.
Depois, muitos anos depois, claro, fui pai e convivi com uma criança muitas horas dos meus dias. Já era outra a cidade, Mesmo assim, tentei, dentro do possível, evitar os excessos de uma radical modernização , a meu ver nociva , no processo de educação. Assim, meu filho aprendeu a ver as horas em relógios de ponteiro , jogava futebol mais que videogame ( isso no começo ) , frequentava o Teatro Municipal , lia e ouvia estórias, aprendeu algarismos romanos, andou desde os seus nove anos sozinho nas ruas, ouviu frases do tipo hoje eu não posso te comprar isso porque não tenho dinheiro, teve a sorte de ser nosso companheiro em todas as viagens que fizemos , enfim, creio eu, teve uma infância feliz.
Mas hoje é hoje. E , assim, penso na criança que fui , que sou e que serei. E como o dia é meu, posso pedir um presente. E já sei que vou pedir. Quero que o tempo passe rápido ( mas só um pouquinho ) para que o meu companheiro de brincadeiras cresça e que possamos ser a dupla mais amiga e inseparável de todas as aventuras. E quando o meu amiguinho falar que os pais deles não deixam ele fazer alguma coisa que não compreendemos o porquê , farei como nos meus tempos de pequeno, não discutirei e sim, vamos brincar de outra coisa ?
E assim, Theo e Rick vão tomar sorvete , chegar atrasados , ter segredinhos, se entenderem só no olhar, ter saudades um do outro, ensinar o que um sabe e outro não, e, claro, convidar o pai dele para brincarmos juntos.
Para todos , um feliz dia das crianças;
Quando eu era criança , São Paulo era uma cidade grande , claro, mas um pouco diferente. Os adultos eram sérios, não se misturavam com os pequenos, não usavam as mesmas roupas, não deixavam as crianças mandarem, era possível jogar taco ( uma espécie fuleira do baseball ) nas ruas , a escola não era tudo, a televisão só algum tempo, futebol nos campinhos e na várzea era o tempo todo, as meninas achavam os meninos chatos e vice-versa . Os vizinhos eram diferentes , suas mães faziam comidas gostosas ; o feijão era de outra cor, as esfihas e as pizzas, as lasanhas e o peixe cru, sem falar na carne de sol. Festas de aniversário tinham os mesmos doces, feitos pelas mães , avós e vizinhas , ganhava-se lenços, meias, cintos e , com alguma sorte, livros , times de botão ou bugigangas.
Se aquele tempo era melhor ? Isso eu não sei. Era um império das imaginações. Escutava-se futebol no rádio e os locutores narravam jogos incríveis, mesmo nos zero a zero. A Jovem Guarda e os Beatles pareciam ser tudo . Os anéis de camelô e as figurinhas, os ioiôs e as revistinhas eram os objetos dos sonhos. Todos mentiam e acreditavam , dormir depois depois das dez horas da noite era impossível.
Depois, muitos anos depois, claro, fui pai e convivi com uma criança muitas horas dos meus dias. Já era outra a cidade, Mesmo assim, tentei, dentro do possível, evitar os excessos de uma radical modernização , a meu ver nociva , no processo de educação. Assim, meu filho aprendeu a ver as horas em relógios de ponteiro , jogava futebol mais que videogame ( isso no começo ) , frequentava o Teatro Municipal , lia e ouvia estórias, aprendeu algarismos romanos, andou desde os seus nove anos sozinho nas ruas, ouviu frases do tipo hoje eu não posso te comprar isso porque não tenho dinheiro, teve a sorte de ser nosso companheiro em todas as viagens que fizemos , enfim, creio eu, teve uma infância feliz.
Mas hoje é hoje. E , assim, penso na criança que fui , que sou e que serei. E como o dia é meu, posso pedir um presente. E já sei que vou pedir. Quero que o tempo passe rápido ( mas só um pouquinho ) para que o meu companheiro de brincadeiras cresça e que possamos ser a dupla mais amiga e inseparável de todas as aventuras. E quando o meu amiguinho falar que os pais deles não deixam ele fazer alguma coisa que não compreendemos o porquê , farei como nos meus tempos de pequeno, não discutirei e sim, vamos brincar de outra coisa ?
E assim, Theo e Rick vão tomar sorvete , chegar atrasados , ter segredinhos, se entenderem só no olhar, ter saudades um do outro, ensinar o que um sabe e outro não, e, claro, convidar o pai dele para brincarmos juntos.
Para todos , um feliz dia das crianças;
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